Edição 1964 de 24 de fevereiro a 2 de março de 2013
Yoani Sánchez
Yoani Sánchez
Uma mulher contra um Estado
Blogueira cubana conversa com Jornal Opção, nega ser agente da CIA, defende fim de bloqueio dos EUA a seu país, afirma que não há socialismo nele e vê “lentidão” em reformas de Raúl Castro
Renato Dias
Especial para o Jornal Opção de São Paulo
Especial para o Jornal Opção de São Paulo
Nada de socialismo, mas sim capitalismo de Estado controlado por um clã familiar. Assim a blogueira dissidente de Cuba Yoani Sánchez define o regime político de seu país, uma ilha de 11 milhões de habitantes que fez uma revolução em 1959.
Ela esteve na quinta-feira, 21, em um encontro na sede do jornal “O Estado de S. Paulo”. “Der Spiegel”, “New York Times”, “Wall Street Journal”, “Folha de S. Paulo”, “O Globo”, Portal IG e o Jornal Opçãoparticiparam da Conversa com Yoani Sánchez.
O ato foi coordenado por Roberto Lameirinhas, editor de Internacional do Estadão, e pelo jornalista Lourival Sant’Anna Júnior, repórter especial do veículo, formado na Universidade Federal de Goiás (UFG) e irmão da deputadafederal Marina Sant’Anna (PT-GO).
Em peregrinação pelo Brasil, Yoani Sánchez diz que obteve o passaporte para deixar Cuba após 20 tentativas frustradas — durante mais de cinco anos. Não custa lembrar: desde 14 de janeiro o governo cubano permite viagens internacionais.
Yoani Sánchez é editora do blog Generación Y, traduzido para 20 línguas. É o endereço eletrônico onde afirma ter espaço para debater temas de interesse de Cuba. “A internet cumpre esse papel. É um espaço democrático”, frisa, animada.
Apesar de considerar-se “tímida”, a blogueira mostra desenvoltura em sua relação com a mídia mundial e conta também que leva uma “vida muito louca”. Mais: admite ser mesmo um “fenômeno midiático”. “Mas a fama é um efeito colateral.”
Ela, que em 2012 chegou a ser arrastada e presa por agentes do Estado, reclama da ausência de canais institucionais em Cuba para discutir assuntos nacionais. Apesar disso, acredita que as mudanças ocorrerão. “É um País maravilhoso.”
Segundo a filóloga, o “pecado” do governo Raúl Castro é não ter sido eleito. A dissidente relata que as reformas econômicas vão na direção correta, mas seriam “lentas”. As medidas foram aprovadas no VI Congresso do Partido Comunista de Cuba.
O Estado abriu setores da economia ao mercado e até faz parceria com o capital internacional. Na área de turismo empresas instalaram-se em Cuba com 49% de participação acionária. No mercado interno, o governo estimulou o empreendedorismo.
Ao “render culto à liberdade”, a blogueira, que se classifica como uma mulher pós-moderna, considera a reforma migratória de 2013 promovida pelo governo cubano como “insuficiente”. A regulamentação de “ir e vir deveria ser um direito do cidadão”.
“Esquizofrênico”. Assim é o sistema de dualidade monetária em Cuba, diz a filóloga. O salário médio no País é em torno de 20 dólares. Ela não cita os números do PIB (Produto Interno Bruto) nem do nível de emprego da nação.
“Tenho muito cuidado com as estatísticas em Cuba”, afirma. Para ela, o embargo econômico dos Estados Unidos a Cuba deveria ser suspenso. “Não funcionou”, resume. É o grande argumento que o Estado tem para explicar e justificar tudo, comenta.
Se o embargo caísse, Yoani gostaria de ver em quem o governo culparia pela crise. “Venho de um País onde não se pode questionar um homem, mas isso não é democracia, é fanatismo”, provoca a ‘enfant terrible’ do país caribenho.
A editora do blog Generación Y diz que o axioma da mídia, em Cuba, é engraçado: — Cuba é o paraíso e o restante do mundo o inferno!
Para Yaoni, é frustrante trabalhar no “Granma”, jornal oficial de Cuba. “Mas é mais frustrante ler o ‘Granma’”, critica. Ao analisar a América Latina, a dissidente afirma temer que a regulação social da mídia possa significar “mordaça” e censura.
“A imprensa em Cuba é de propriedade do Partido Comunista”, desabafa. A autora de “De Cuba, Com Carinho” (Contexto, 206 páginas) defende um jornalismo “crítico e independente”. Não é o que o “Granma”, de Cuba, faz.
A filóloga conta ter sido ameaçada por jornalistas de blogs oficiais antes de embarcar para o Brasil. Ela, que se diz uma “mochileira”, acredita que a repercussão de sua viagem ao Brasil será o “silêncio”. “Mas isso não me preocupa.”
Ela esteve na quinta-feira, 21, em um encontro na sede do jornal “O Estado de S. Paulo”. “Der Spiegel”, “New York Times”, “Wall Street Journal”, “Folha de S. Paulo”, “O Globo”, Portal IG e o Jornal Opçãoparticiparam da Conversa com Yoani Sánchez.
O ato foi coordenado por Roberto Lameirinhas, editor de Internacional do Estadão, e pelo jornalista Lourival Sant’Anna Júnior, repórter especial do veículo, formado na Universidade Federal de Goiás (UFG) e irmão da deputadafederal Marina Sant’Anna (PT-GO).
Em peregrinação pelo Brasil, Yoani Sánchez diz que obteve o passaporte para deixar Cuba após 20 tentativas frustradas — durante mais de cinco anos. Não custa lembrar: desde 14 de janeiro o governo cubano permite viagens internacionais.
Yoani Sánchez é editora do blog Generación Y, traduzido para 20 línguas. É o endereço eletrônico onde afirma ter espaço para debater temas de interesse de Cuba. “A internet cumpre esse papel. É um espaço democrático”, frisa, animada.
Apesar de considerar-se “tímida”, a blogueira mostra desenvoltura em sua relação com a mídia mundial e conta também que leva uma “vida muito louca”. Mais: admite ser mesmo um “fenômeno midiático”. “Mas a fama é um efeito colateral.”
Ela, que em 2012 chegou a ser arrastada e presa por agentes do Estado, reclama da ausência de canais institucionais em Cuba para discutir assuntos nacionais. Apesar disso, acredita que as mudanças ocorrerão. “É um País maravilhoso.”
Segundo a filóloga, o “pecado” do governo Raúl Castro é não ter sido eleito. A dissidente relata que as reformas econômicas vão na direção correta, mas seriam “lentas”. As medidas foram aprovadas no VI Congresso do Partido Comunista de Cuba.
O Estado abriu setores da economia ao mercado e até faz parceria com o capital internacional. Na área de turismo empresas instalaram-se em Cuba com 49% de participação acionária. No mercado interno, o governo estimulou o empreendedorismo.
Ao “render culto à liberdade”, a blogueira, que se classifica como uma mulher pós-moderna, considera a reforma migratória de 2013 promovida pelo governo cubano como “insuficiente”. A regulamentação de “ir e vir deveria ser um direito do cidadão”.
“Esquizofrênico”. Assim é o sistema de dualidade monetária em Cuba, diz a filóloga. O salário médio no País é em torno de 20 dólares. Ela não cita os números do PIB (Produto Interno Bruto) nem do nível de emprego da nação.
“Tenho muito cuidado com as estatísticas em Cuba”, afirma. Para ela, o embargo econômico dos Estados Unidos a Cuba deveria ser suspenso. “Não funcionou”, resume. É o grande argumento que o Estado tem para explicar e justificar tudo, comenta.
Se o embargo caísse, Yoani gostaria de ver em quem o governo culparia pela crise. “Venho de um País onde não se pode questionar um homem, mas isso não é democracia, é fanatismo”, provoca a ‘enfant terrible’ do país caribenho.
A editora do blog Generación Y diz que o axioma da mídia, em Cuba, é engraçado: — Cuba é o paraíso e o restante do mundo o inferno!
Para Yaoni, é frustrante trabalhar no “Granma”, jornal oficial de Cuba. “Mas é mais frustrante ler o ‘Granma’”, critica. Ao analisar a América Latina, a dissidente afirma temer que a regulação social da mídia possa significar “mordaça” e censura.
“A imprensa em Cuba é de propriedade do Partido Comunista”, desabafa. A autora de “De Cuba, Com Carinho” (Contexto, 206 páginas) defende um jornalismo “crítico e independente”. Não é o que o “Granma”, de Cuba, faz.
A filóloga conta ter sido ameaçada por jornalistas de blogs oficiais antes de embarcar para o Brasil. Ela, que se diz uma “mochileira”, acredita que a repercussão de sua viagem ao Brasil será o “silêncio”. “Mas isso não me preocupa.”
Transição
Lenta, longa, demorada. Assim deve ser a transição política da ditadura dos irmãos Castro para a democracia, em Cuba, calcula Yoani. “O tempo possível será mais demorado, mas tenho esperança. Isso não pode prolongar-se mais.”
Após condenar o que define como absoluta “falta de transparência” e de democracia das instituições em seu País, ela insiste que há, hoje, repressão em excesso de um governo totalitário. Ela cobra eleições livres e vida democrática.
Otimista, a blogueira crê que Cuba está esgotando um ciclo. Ela refere-se ao modelo implantado pós-1959. “Onde houve um protagonismo exacerbado da política, da ideologia, de um partido [o Comunista de Cuba], de uma pessoa na vida do País”.
Yaoni enfrentou protestos por onde passou, no Brasil. Em Recife (PE), Feira de Santana (BA) e em São Paulo (SP), na sede da Livraria Cultura. Defensores do regime de Cuba, com cartazes e faixas nas mãos, a hostilizavam. — Cuba, sim. Ianques, não! Viva Fidel e a revolução.
É o que gritavam estudantes da União da Juventude Socialista (UJS), braço do PC do B (Partido Comunista do Brasil), além de petistas, contra Yoani. Simpatizantes da blogueira no Brasil também portavam faixas e cartazes: — Deixem Yoani falar.
A dissidente afirma que a utopia da revolução cubana de 1959 é atraente aos jovens do continente. “Mas é uma ilusão”, resume. “Essas pessoas não conhecem Cuba e fazem propaganda de uma Cuba que não existe na realidade”, diz, emocionada.
Os brasileiros se parecem com os cubanos, nota Yoani. Com uma diferença, explica: “São livres”. “Eu gostaria que em Cuba houve liberdade de expressão.” Ela lembra a pregação de Vaclav Havel, o dramaturgo que liderou a Revolução de Veludo, na antiga Tchecoslováquia, país do bloco comunista.
Cuba tem, em pleno século 21, o menor porcentual de conectividade à internet do continente latino-americano, diz Yoani. Apenas 3% têm acesso à internet. “Mas há muita gente se informando sem a internet.”
Ao lado do senador Eduardo Suplicy (PT-SP), Yoani relata que o programa Bolsa Família pode ser copiado numa “nova Cuba”. “Me vejo em uma Cuba onde possa compartilhar uma mesa com um anarquista, um liberal, um social-democrata, um comunista, um democrata-cristão para debatermos temas do País.”
Lenta, longa, demorada. Assim deve ser a transição política da ditadura dos irmãos Castro para a democracia, em Cuba, calcula Yoani. “O tempo possível será mais demorado, mas tenho esperança. Isso não pode prolongar-se mais.”
Após condenar o que define como absoluta “falta de transparência” e de democracia das instituições em seu País, ela insiste que há, hoje, repressão em excesso de um governo totalitário. Ela cobra eleições livres e vida democrática.
Otimista, a blogueira crê que Cuba está esgotando um ciclo. Ela refere-se ao modelo implantado pós-1959. “Onde houve um protagonismo exacerbado da política, da ideologia, de um partido [o Comunista de Cuba], de uma pessoa na vida do País”.
Yaoni enfrentou protestos por onde passou, no Brasil. Em Recife (PE), Feira de Santana (BA) e em São Paulo (SP), na sede da Livraria Cultura. Defensores do regime de Cuba, com cartazes e faixas nas mãos, a hostilizavam. — Cuba, sim. Ianques, não! Viva Fidel e a revolução.
É o que gritavam estudantes da União da Juventude Socialista (UJS), braço do PC do B (Partido Comunista do Brasil), além de petistas, contra Yoani. Simpatizantes da blogueira no Brasil também portavam faixas e cartazes: — Deixem Yoani falar.
A dissidente afirma que a utopia da revolução cubana de 1959 é atraente aos jovens do continente. “Mas é uma ilusão”, resume. “Essas pessoas não conhecem Cuba e fazem propaganda de uma Cuba que não existe na realidade”, diz, emocionada.
Os brasileiros se parecem com os cubanos, nota Yoani. Com uma diferença, explica: “São livres”. “Eu gostaria que em Cuba houve liberdade de expressão.” Ela lembra a pregação de Vaclav Havel, o dramaturgo que liderou a Revolução de Veludo, na antiga Tchecoslováquia, país do bloco comunista.
Cuba tem, em pleno século 21, o menor porcentual de conectividade à internet do continente latino-americano, diz Yoani. Apenas 3% têm acesso à internet. “Mas há muita gente se informando sem a internet.”
Ao lado do senador Eduardo Suplicy (PT-SP), Yoani relata que o programa Bolsa Família pode ser copiado numa “nova Cuba”. “Me vejo em uma Cuba onde possa compartilhar uma mesa com um anarquista, um liberal, um social-democrata, um comunista, um democrata-cristão para debatermos temas do País.”
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Cuba: entre ‘abertura’ e ‘fechamento’
Lourival Sant’Anna
Lourival Sant’Anna
Não há distribuição igualitária dos bens e serviços produzidos em Cuba, já que a nomenclatura comunista abocanha parte considerável dos recursos, disse ao Jornal Opção Lourival Sant’Anna, repórter especial do jornal “O Estado de S. Paulo”. Ele coordenou, na quinta-feira, 21, em São Paulo (SP), mesa-redonda chamada de Conversa com Yoani Sánchez. Formado na Universidade Federal de Goiás mas radicado há décadas em São Paulo, o repórter e escritor insiste que o Estado cubano viola os direitos humanos, explica que o regime oscila entre abertura e fechamento, analisa os motivos da longevidade do castrismo e aponta também os supostos erros do bloqueio dos Estados Unidos.
Yoani Sánchez diz que não há socialismo em Cuba, mas capitalismo de Estado. O sr. concorda?
Sim. O patrimônio e a riqueza do país não são compartilhados de forma igualitária com todos. Há um grupo, instalado no poder, que se beneficia deles, que recebe vantagens e se coloca acima das leis — em condições que tornam a vida da imensa maioria tão difícil. Essas pessoas vivem nas melhores casas, nos melhores bairros; andam em carros muito melhores; usam hospitais públicos do padrão dos hospitais privados que temos aqui, enquanto a maioria frequenta hospitais públicos piores que os nossos; mandam seus filhos a escolas públicas parecidas com nossas escolas particulares, enquanto a maioria estuda em escolas piores que as da nossa rede pública, com o agravante da doutrinação ideológica; têm acesso a moeda forte, que lhes permite consumir alimentos, medicamentos, itens de higiene, roupas e outros produtos em quantidade e qualidade muito melhor.
Há violações dos direitos humanos em Cuba?
Sim. Opiniões diferentes das do regime são punidas com prisão e execução, sem direito a defesa. Agentes do Estado hostilizam e agridem dissidentes. A imprensa pertence ao Estado e não acolhe opiniões e informações discordantes das do regime. Mesmo com a nova lei de emigração, a saída do país continua sendo controlada pelo Estado, com critérios políticos. A autorização de saída de Yoani Sánchez é uma exceção, não a regra. A maioria dos dissidentes continua não conseguindo essa autorização. O acesso à internet é monitorado e dificultado por tarifas proibitivas. Montar uma rede independente de internet é crime de subversão. O americano Alan Phillip Gross está preso em Cuba desde dezembro de 2009 por ter tentado ajudar cubanos a fazer isso.
Qual a sua análise sobre as reformas de Raúl Castro?
Como escrevi na edição de sexta-feira, 22, de “O Estado de S. Paulo”, a ditadura cubana oscila entre ciclos de abertura e fechamento, na tentativa de sobreviver, contra a vontade da maioria e contra os dados de realidade da economia e do mundo atual. As mudanças introduzidas por Raúl, permitindo a venda de moradias, facilitando o acesso a automóveis e a emigração, representam mais um ciclo de abertura controlada, para diminuir a pressão interna e externa. É como uma válvula de uma panela de pressão. A tampa, no entanto, continua fechada. Ainda não se trata da reforma do sistema.
54 anos: o que explicaria a longevidade do regime cubano?
O aparato repressivo e uma certa acomodação e passividade, elementos da cultura cubana, que se parece com a brasileira.
Há liberdade de manifestação religiosa no País?
Nos primórdios, o regime reprimiu a religião. O brasileiro Frei Betto desempenhou um papel importante, nos anos 80, em convencer Fidel Castro de que religião e “socialismo” não eram irreconciliáveis. A Teologia da Libertação representou essa reconciliação — não só em Cuba, naturalmente, mas em toda a América Latina.
Yoani Sánchez diz querer montar um jornal em Cuba. Há espaço?
Se em 2007 você me perguntasse se havia espaço para o blog de Yoani Sánchez, que ela criou naquele ano, eu teria respondido que não. Claro que um blog é diferente de um jornal. Ela mesma acha que o blog se tornou possível porque a gerontocracia (a expressão é minha, não dela) cubana não entendia a importância das redes sociais, e, quando se apercebeu, era tarde demais. Mas vamos ver o que acontecerá com o projeto de jornal de Yoani. Francamente, não estou otimista.
Sim. O patrimônio e a riqueza do país não são compartilhados de forma igualitária com todos. Há um grupo, instalado no poder, que se beneficia deles, que recebe vantagens e se coloca acima das leis — em condições que tornam a vida da imensa maioria tão difícil. Essas pessoas vivem nas melhores casas, nos melhores bairros; andam em carros muito melhores; usam hospitais públicos do padrão dos hospitais privados que temos aqui, enquanto a maioria frequenta hospitais públicos piores que os nossos; mandam seus filhos a escolas públicas parecidas com nossas escolas particulares, enquanto a maioria estuda em escolas piores que as da nossa rede pública, com o agravante da doutrinação ideológica; têm acesso a moeda forte, que lhes permite consumir alimentos, medicamentos, itens de higiene, roupas e outros produtos em quantidade e qualidade muito melhor.
Há violações dos direitos humanos em Cuba?
Sim. Opiniões diferentes das do regime são punidas com prisão e execução, sem direito a defesa. Agentes do Estado hostilizam e agridem dissidentes. A imprensa pertence ao Estado e não acolhe opiniões e informações discordantes das do regime. Mesmo com a nova lei de emigração, a saída do país continua sendo controlada pelo Estado, com critérios políticos. A autorização de saída de Yoani Sánchez é uma exceção, não a regra. A maioria dos dissidentes continua não conseguindo essa autorização. O acesso à internet é monitorado e dificultado por tarifas proibitivas. Montar uma rede independente de internet é crime de subversão. O americano Alan Phillip Gross está preso em Cuba desde dezembro de 2009 por ter tentado ajudar cubanos a fazer isso.
Qual a sua análise sobre as reformas de Raúl Castro?
Como escrevi na edição de sexta-feira, 22, de “O Estado de S. Paulo”, a ditadura cubana oscila entre ciclos de abertura e fechamento, na tentativa de sobreviver, contra a vontade da maioria e contra os dados de realidade da economia e do mundo atual. As mudanças introduzidas por Raúl, permitindo a venda de moradias, facilitando o acesso a automóveis e a emigração, representam mais um ciclo de abertura controlada, para diminuir a pressão interna e externa. É como uma válvula de uma panela de pressão. A tampa, no entanto, continua fechada. Ainda não se trata da reforma do sistema.
54 anos: o que explicaria a longevidade do regime cubano?
O aparato repressivo e uma certa acomodação e passividade, elementos da cultura cubana, que se parece com a brasileira.
Há liberdade de manifestação religiosa no País?
Nos primórdios, o regime reprimiu a religião. O brasileiro Frei Betto desempenhou um papel importante, nos anos 80, em convencer Fidel Castro de que religião e “socialismo” não eram irreconciliáveis. A Teologia da Libertação representou essa reconciliação — não só em Cuba, naturalmente, mas em toda a América Latina.
Yoani Sánchez diz querer montar um jornal em Cuba. Há espaço?
Se em 2007 você me perguntasse se havia espaço para o blog de Yoani Sánchez, que ela criou naquele ano, eu teria respondido que não. Claro que um blog é diferente de um jornal. Ela mesma acha que o blog se tornou possível porque a gerontocracia (a expressão é minha, não dela) cubana não entendia a importância das redes sociais, e, quando se apercebeu, era tarde demais. Mas vamos ver o que acontecerá com o projeto de jornal de Yoani. Francamente, não estou otimista.
O bloqueio dos EUA a Cuba for-talece o discurso dos irmãos Castro, como aponta Yoani Sánchez?
Muitos analistas consideram que, se não fosse o bloqueio, o regime já teria caído. O que é paradoxal, já que o objetivo do bloqueio é derrubar o regime. Com certeza, o bloqueio é usado como justificativa para todas as mazelas da ilha e como cortina de fumaça para as ineficiências internas do sistema.
As ações dos anticastristas de Miami parecem não encontrar eco em Havana. Qual o motivo?
Há uma pluralidade de visões tanto entre os cubanos na Flórida quanto em Cuba a respeito das melhores estratégias a seguir, o que é natural. Nas minhas reportagens sobre a campanha presidencial em 2008 e agora em 2012, constatei a existência de uma nova geração de cubanos na Flórida que deseja a aproximação entre Cuba e os EUA. São pessoas que mantêm laços fortes com sua terra natal e querem poder viajar quando quiser para a ilha, além de uma melhora nas condições de vida, o que inclui o fim do embargo. Atendendo a esses anseios, Barack Obama reduziu de três para um ano o intervalo permitido de viagens a Cuba.
Como o sr. viu as manifestações contrárias a Yoani Sánchez no Brasil?
Acho enriquecedor que haja no nosso país todo tipo de visão sobre qualquer tema. Num debate com Yoani Sánchez, por exemplo, é ótimo ter a participação de pessoas que apoiam o regime cubano. Isso a provoca a fazer reflexões e relatos interessantes. O consenso empobrece. O problema é quando o radicalismo dessas pessoas as impede de ouvir uma opinião diferente da delas. Isso aconteceu em Feira de Santana, na segunda-feira, 18, quando a exibição do documentário de Dado Galvão, “Conexão Cuba-Honduras”, em que ela é entrevistada, teve de ser cancelada, e na noite de quinta-feira, 21, em São Paulo, quando os manifestantes impediram a sessão de autógrafos na Livraria Cultura. Tristemente, esses manifestantes estão sendo coerentes: o regime cubano, que eles apoiam, também não tolera opiniões diferentes das dele. Em “O Estado de S. Paulo”, como você viu, tivemos um debate livre e respeitoso, e todos ganharam com isso.
Muitos analistas consideram que, se não fosse o bloqueio, o regime já teria caído. O que é paradoxal, já que o objetivo do bloqueio é derrubar o regime. Com certeza, o bloqueio é usado como justificativa para todas as mazelas da ilha e como cortina de fumaça para as ineficiências internas do sistema.
As ações dos anticastristas de Miami parecem não encontrar eco em Havana. Qual o motivo?
Há uma pluralidade de visões tanto entre os cubanos na Flórida quanto em Cuba a respeito das melhores estratégias a seguir, o que é natural. Nas minhas reportagens sobre a campanha presidencial em 2008 e agora em 2012, constatei a existência de uma nova geração de cubanos na Flórida que deseja a aproximação entre Cuba e os EUA. São pessoas que mantêm laços fortes com sua terra natal e querem poder viajar quando quiser para a ilha, além de uma melhora nas condições de vida, o que inclui o fim do embargo. Atendendo a esses anseios, Barack Obama reduziu de três para um ano o intervalo permitido de viagens a Cuba.
Como o sr. viu as manifestações contrárias a Yoani Sánchez no Brasil?
Acho enriquecedor que haja no nosso país todo tipo de visão sobre qualquer tema. Num debate com Yoani Sánchez, por exemplo, é ótimo ter a participação de pessoas que apoiam o regime cubano. Isso a provoca a fazer reflexões e relatos interessantes. O consenso empobrece. O problema é quando o radicalismo dessas pessoas as impede de ouvir uma opinião diferente da delas. Isso aconteceu em Feira de Santana, na segunda-feira, 18, quando a exibição do documentário de Dado Galvão, “Conexão Cuba-Honduras”, em que ela é entrevistada, teve de ser cancelada, e na noite de quinta-feira, 21, em São Paulo, quando os manifestantes impediram a sessão de autógrafos na Livraria Cultura. Tristemente, esses manifestantes estão sendo coerentes: o regime cubano, que eles apoiam, também não tolera opiniões diferentes das dele. Em “O Estado de S. Paulo”, como você viu, tivemos um debate livre e respeitoso, e todos ganharam com isso.